terça-feira, 11 de março de 2008

008 A Golpes de Machado


Nem sequer teve tempo para ligar a televisão, um machado ferrugento abriu-lhe a cabeça ao meio. O sangue jorrou em gotas gravitacionais, encharcando o sofá, de luxo, de glóbulos vermelhos em alegre sintonia com a ferrugem saída do machado, que estivera guardado, ao que parece, para aquela ocasião de festa.

A pancada essa até foi seca e o aspecto franzino dela não foi impeditivo para actuar com aquela precisão brutal. Afinal fora vítima de tanta violência que aproveitava para deixar a sua marca no mundo, perdendo a liberdade, que nunca tivera, esquecida numa cela pequena, exposta às drogas, sevícias sexuais. Tudo lhe pareceria mais suave que a vida com aquele monstro.

Pegou num telefone e ligou para a polícia – ‘Matei o meu marido, venham buscar-me. A morada? É...’ – sentou-se ao lado do cadáver, ainda quente e passeou as mãos ensanguentadas pelo seu rosto queimado e as lágrimas não caíram.

Tinha pedido ajuda vezes sem conta, mas a religião, as aparências de bondade infinita do tirano faziam acreditar que as marcas dela eram apenas acidentes. Nada disso importava mais.

Apesar do sofrimento e de anos de terror houve tempo para acabar com o tormento. Não se importava de agora ser ela o monstro, nem tão pouco sentia remorsos, fora um acto de elementar justiça. Apenas precisou de deixar de o odiar, tornara-se bem mais fácil assim, através do desprezo e de um simples golpe de machado teria roupa lavada, refeições decentes e a prisão que a libertaria para sempre daqueles conselhos de paz e amor sem sentido.

Sem comentários: