terça-feira, 11 de março de 2008

006 A boca inquieta





Está frio, muito frio. Os pés não aquecem e não há ninguém aqui que me faça abstrair do futebol, das lutas fratricidas, dores de corno ou historietas profissionais baseadas em pura falsidade.

A boca dói-me. Quando tento articular algumas palavras e apenas reencontro as mesmas frases de sempre, as costumeiras necessidades de atear fogueiras que já nem servem para nada, tal a aridez das propostas e de quem as faz.

Está frio, tenho a boca ensanguentada, os pés gelados. Os dentes partiram-se no meio de uma luta inconcebida. Um vizinho não gostou dos meus dizeres, da forma como meti a colher entre o porco do marido e a estúpida da mulher. Quem me encomendou o sermão de aplicar os golpes de judo já esquecidos, quando nem consigo articular português em condições?

Mas o azar também traz a sorte no fundo do baú, basta olhar com olhos de ver e a promoção do dentista que veio anteontem de Angola, veio mesmo a calhar! Início de actividade diz ele, lá vou eu, pior não devo ficar.

Está frio e a boca inquieta, inchada prepotência. Segue sem se mexer, apenas para não doer. E os olhos ardem, mas o amor não acontece e o programa resume-se a umas quantas gajas que se fazem difíceis, talvez pelo charme da coisa, ou porque não se podem ocupar convenientemente da minha boca inchada, mais leve da ausência forçada dos dentes da frente.

Está frio e continuo sem saber onde encontrar alguém que me faça esquecer um pouco o maldito futebol, as misérias do mundo, o futuro e o que fazer com os filhos que ainda não existem.

Apenas duas bocas inquietas ardendo de desejo por um lânguido beijo, mas nem isso posso.

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