009 Beber um outro vinho

Aquela tradição anual de juntar uns quantos amigos, de comer umas gambas fritas, vinho branco e de falar mal do patrão. De glorificar as façanhas sexuais de um qualquer mito, de glorificar os cavalos dentro de um qualquer motor e mais, gozar com os feitos do clube rival, o futebol, sim o futebol não podia faltar naquela mesa.

A única rotina que importa estará debaixo da pele, fora dela, no mundo, há que experimentar outros mariscos, outros vinhos, outras contemplações porventura melhor adaptadas à vontade de cada um. Pois, mas é difícil reverter o processo de fritura dos cérebros parados no tempo.

Algumas vezes apenas pego num copo e bebo aquele néctar delicioso como se desse instante retirasse o Paraíso que me está reservado na Terra. Sim eu gosto desses pequenos prazeres que fazem sorrir. Degustar uma gamba e um copo de vinho branco gasoso de Almeirim. Naturalmente lembro-me melhor desses pequenos prazeres que das imersas confusões em que se ofuscam as vontades próprias, desse amigos a quem, apesar de tudo, apetece abraçar, até porque todos os anos o vinho é diferente e outras gambas foram torturadas, assassinadas sem dó nem piedade, ternura até, tudo confeccionado e servido em temperos pouco originais apenas para deleite daqueles momentos fugazes de anedotas, embora só as gambas tenham ficado picantes.

Andamos o ano todo a pensar naquele dia, na fuga das rotinas, sempre actualizadas, com a lenta e eficaz obstrução dos vasos sanguíneos que um dia se transformarão em acidente vascular cerebral ou ataque cardíaco ou ainda o raio que o parta, fazendo-nos arrepender de tudo o que fizemos.

Assim sendo vou beber um copo de vinho tinto, dizem que faz bem ao coração!