sexta-feira, 18 de abril de 2008

035 Tempo de renovação


1.

Sinto a vida como o tempo no Outono, a queda das folhas já gastas dão lugar a uma árvore nua que apenas terá os ramos expostos, cada vez mais fragilizados, para se proteger do Inverno frio que se avizinhará pouco tempo depois.

Não sinto facilidades nos tempos que se avizinham. Nunca imaginaria ter que recorrer a químicos para controlar a minha ansiedade, de sofrer por um amor que vive ancorado noutra loucura, outro desejo que não passa de uma obsessão. De nada vale o que disser, o que fizer ou tentar que aconteça. Apenas governo o meu destino, sempre de forma imprevisível e sem saber quando essa benesse vai terminar. Tudo é tão imprevisível que aproveitar o pouco tempo que resta em obsessões vãs, que levam a loucuras que se pagam com marcas que ficam para o resto da vida, é um tormento, um perfeito desperdício.

Pela primeira vez depois de adulto sinto o amor acercar-se da minha alma, e de forma assaz violenta. Que a necessidade de receber é tão grande como a de dar, eu que apenas tenho dado, subestimando o meu potencial. Ah chega de parvoíce, de lutas em vão quando há tanta energia que pode ser gasta de formas mais positivas.

Entretanto o tempo passa, a juventude vai abandonando o corpo, as rugas instalam-se, os cabelos brancos vão-se acentuando. Talvez fosse motivo de felicidade, atingir um grau diferente de maturidade, saber bem o que quero, como quero e sobretudo onde quero.

Apenas parar um pouco, ter um sinal visível de que não vale a pena insistir mais nas incessantes ideias de mudança, de profunda desilusão pelos dados adquiridos, como se tudo fosse um castigo encomendado por alguma entidade invisível. Um qualquer anjo maléfico que me empurra para um destino sombrio, sem que haja algum sinal de que vale a pena continuar nesta vida normal, rotineira, muitas vezes sem sal. Por cobardia ou apenas comodismo.

Por outro lado algo de muito poderoso empurra-me para a vida, para a constatação de que não vale a pena perder tempo com quem não me satisfaz a necessidade de contribuir para que os órgãos vitais funcionem como deve ser. Claro que essa é sempre uma ínfima parte da questão, porque tudo pode acabar de repente.

A consciência que me habita, sei lá por quanto tempo, sinto-a esvair-se, após passar vinte e quatro sobre vinte e quatro horas em luta para manter a paciência que os planos se hão-de concretizar. Ao mesmo tempo outros planos nascem, como se as raízes arrancadas se auto-regenerassem e cada fracasso se tornasse uma nova oportunidade. Mas é muito cansativo e a cabeça não aguenta tudo, diria mesmo que há alturas em que deixou de aguentar fosse o que fosse. Há limites que não devem ser ultrapassados e o sofrimento permanente por ninharias é pecado, estupidez pura.

Não quero, por isso, regredir no tempo. Amo, com todas as forças que me vêem do fundo da alma. Se sou ou não correspondido o tempo o dirá, talvez tenha mesmo de mudar de atitude, apenas para ter o reconhecimento a que tenho direito, ainda em vida.

2.

Entretanto no intervalo destes devaneios estou a trabalhar, aquele sítio que com tanto afinco me ensinaram a desprezar, desprezando-me. Por mais que o saiba, aflige-me a mesquinhez das pessoas, mas essa é uma questão recorrente nos dias que correm, nos seres que nos envolvem e convivem connosco no dia a dia. Não há fuga possível a isso, só mesmo após outro dilúvio, outra catástrofe global como parece que vai acontecer se nada se fizer de radical para a parar.

3.

E no entanto, há tanto de bonito nas fotografias acerca do mundo lá fora. Alguns têm direito, outros com maior ou menor sacrifício e adaptação ao capitalismo selvagem conseguem-no em menor escala e depois há outros que apenas arrastam os seus corpos sem saber o porquê de terem um corpo funcional. Mas há sempre alguém para lhes dominar a mente, em seu próprio proveito, em sua própria satisfação e eles seguem de almas mortas dentro de um corpo que se move sem destino livre e criativo.

Talvez o mundo esteja mesmo perdido e as considerações que se façam sejam pura perda de tempo. Mas, que raios, quero lá saber disso, quando tudo explodir se ainda cá estiver, quero estar a sorrir de satisfação por concretizar mais um sonho. Até ao último segundo a tomar consciência de quão bela pode ser a vida se soubermos o que fazer dela!

Suicidar-me? Não obrigado! As dificuldades superam-se, não se esgotam em frustrações. Os infortúnios sublimam-se enquanto houver quem nos ame, quem precise da nossa vida para sorrir, para se sentir minimamente feliz.

Viver? Claro que sim, custe o que custar!

24-10-2007



Acompanhante musical: The Beatles - The Long and Winding Road

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