segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

060 Ancas de sofrimento


Quantas foram as vezes em que ela se entregou por amor, gozou com ele cada segundo da cópula desejada em frenesim, mútua vontade, mesmo sabendo da traição que o seu coração era vítima, mesmo sendo seviciada e torturada sem saber qual a razão? Talvez porque a razão era inexistente no meio de tamanha confusão.

Muitas foram as vezes em que deu à luz, não porque não o soubesse sequer evitar ou tivesse mero voto na matéria.

Foram anos e anos em que o amor desejado se transformou num Inferno cada vez mais anunciado.

Foram ancas de sofrimento pelo amor sem retorno, a dor sem o valor, o calor de um mero e simples abraço, olhar meigo ou o desejo, mesmo sem lhe tocar.

Ela teve aquele amor de mulher ingénua sem sequer saber para o que servia. Ela foi violada no mais intimo do seu ser, parindo sem parar até se tornar desfigurada e abandonada a um canto, substituída sem encanto, agrilhoada e amordaçada para não ter esperança.

E até andava livre pelas ruas, nuas de saber o que se lhe passava lá dentro de casa. E lá bem dentro de si, no nó intenso que a cada dia crescia mais vestia a sua dor como se o mal fosse de frio. E protegia-se sem pudor, sem sequer pensar mais que um dia sonhara algo de tão diferente do que agora tinha.

Um dia sem sequer pensar, depois de satisfazer o seu amo e senhor abriu a janela do seu apartamento, no quinto andar, num prédio como tantos outros, numa qualquer cidade indiferente. O Sol brilhou intensamente no seu coração, levantou voo e saltou sorridente para o seu último vazio.


Acompanhante musical: Pólo Norte - Pele

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