quarta-feira, 5 de maio de 2010

107 Apunhalar de amor o teu ventre

O desejo acaba por consumir a dor em aparentes espirais que descem alucinadamente até ao Inferno, mesmo naquele recanto onde os pecadores sem remissão jazem condenados ao frio extremo. A loucura torna-se assim um bem essencial para que os dias prossigam sem mágoas acrescidas ou ideias ressequidas pelo vazio precocemente instalado.

Foi assim que te encontrei, numa nudez de preconceitos que apenas aconchegou a vontade de nos devorarmos mutuamente, como se os corpos saciados passassem a ser apenas memória. Mas não te quis tornar um obsoleto desejo de amor encardido e a montanha que chegamos a escalar havia sido transformada em planície, levando cada gota de suor e sonhos endiabrados para o nada, e o horizonte tornava-se alucinadamente infinito.

Assim meu amor, guardei para ti o punhal libertador, das amarguras, de uma vida apenas normal, da morte e do esquecimento que apenas nos entonteciam os pensamentos.

Tudo acaba por ser da maneira que eu quero e a sobreposição da dor em nome do amor apenas confirma a inútil capacidade que as Igrejas têm de se reinventar por mais que algum dos seus crentes se dedique à vanguarda do pensamento e da concretização dos movimentos.

O sangue saiu abundantemente e as lembranças dos corpos impecáveis, com fato e gravata, apenas acicatou o ódio para que as diversas ocorrências que se seguiriam se tornassem subitamente leves, pelo cansaço de tanto ver as mesmas coisas acontecerem.

Adorava desaparecer pelo infinito, mas só depois de nos voltarmos a consumir uma última vez...

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